Quem diria: a tarefa que as crianças trazem na mochila aterroriza muitos pais por aí. Mas quando família e escola se tornam parceiros nessa missão, quem ganha são os nossos filhos.
Por Adriana Teixeira no Globo.com
Dos traumas e aprendizados que nós, os pais, passamos em relação à escola dos nossos filhos, o fantasma da lição de casa
é um dos principais para os que chegaram na faixa dos 8 anos. Tarefa,
interpretação de texto, contas e leitura obrigatória são o equivalente
ao que passam os pais de primeira viagem em relação a desfralde,
chupeta, papinha e adaptação à primeira professora.
O
principal problema da lição de casa é exatamente esse: ser lição para
ser feita em casa. Problema para os pais, que piram. Problema para as
crianças, que não aproveitam o aprendizado. Problema pra escola, que
encontra resistência de pais e filhos em relação ao tema. O cenário não é
muito animador, já que de um lado temos pais cansados de um longo turno
de trabalho, impacientes e culpados ao mesmo tempo; e do outro lado,
crianças às vezes igualmente cansadas de uma superjornada de atividades,
mas sempre excitadas quando se trata de estar em casa, pra brincar e
desfrutar a atenção dos pais. A escola, muitas vezes por imposição do
mercado, passa a oferecer “assistência” à lição de casa como atividade
extracurricular, e as crianças, entre resignadas e aborrecidas, aumentam
sua jornada na sala de aula para dar conta do recado.
Presenciei vários pais em reuniões escolares bradarem contra a dificuldade da
lição de casa – quase negociando com as professoras, “precisa mandar
tarefa de português e de matemática no mesmo dia?!”. E presenciei
professoras pacientes, explicando aos pais a importância desse
instrumento pedagógico; já outras nem tanto, irrequietas com a falta de
noção de alguns pais que protestam pela lição de casa como se fossem
eles os punidos nessa história.
Pára tudo, que eu quero
descer! Lição de casa não é pra pai fazer. Mesmo! Se a escola, que tem a
competência do ensino, orienta uma tarefa para seu filho fazer em casa,
é porque ela deve ser feita em casa pela criança! Não pela calculadora,
nem pelo computador, e muito menos pela mãe, pai, avó, tia, babá ou
quem seja o adulto responsável por essa criança no momento em que deve
se dedicar a fazer a lição de casa. Uma criança que tem a supervisão de
um adulto para esse tipo de atividade, de acordo com a orientação da
escola, é facilmente identificada pela professora: tem tarefas completas
(e isso não quer dizer certas, atenção!), letra caprichada, material em
dia.
É cansativo? Oh, se é... Meu marido, que é um pai
dedicado e bem atencioso, sempre “pulou” essa parte da lição de casa.
Ele fica impaciente quando as crianças derrapam em um cálculo e não
resiste, corrigindo a tarefa no meio. Bola
fora, porque aí a Bruna não entende onde errou e tem mais chance de
cometer o mesmo erro na sala de aula, quando não tiver o pai por perto
pra alertá-la. De novo, a questão é supervisionar, apoiar e até eventualmente ajudar
com uma proposta de cálculo: “ué, Bruna, mas você tirou um número menor
de um número maior e o resultado deu um número maior ainda... será que
está certo mesmo” – a estratégia ele aprendeu em uma daquelas reuniões
em que ao invés de reclamar da lição de casa, um pai resolveu perguntar à
(paciente) professora, como poderia, de fato ajudar seus filhos na
resolução de contas matemáticas.
Não é resolvendo o
problema por eles. Nem deixando que se atirem em erros cansativos.
Trata-se, de como reza a boa e velha sabedoria popular, “ensiná-los a
pescar”. Crianças estão aprendendo o tempo todo e precisam aprender a
estudar também. Em casa, a competência para isso é nossa. E ensinamos,
pra variar, com o nosso exemplo. Deixar que façam a lição de casa com a
tv ligada, comendo, ouvindo música não é o melhor caminho – ainda que
depois que cresçam eles possam descobrir, como meu filho
pré-adolescente, que é no meio da muvuca que consegue se concentrar e
pode, então, fazer lição de casa numa boa ... Até lá, tem chão.
Paciência com a grafia incorreta, atenção às pesquisas escolares e
sempre a ponte de comunicação com a escola:
desconfia que os textos do livro de português estão desatualizados? Que
tal chamar a coordenadora da área e debater, sugerir nova bibliografia?
Interagir com a escola dos nossos filhos, além de um exercício de
cidadania, é uma forma de mostrar às crianças que estamos com eles nesse barco, na alegria, e na tristeza, e nunca, nunca deixando que a lição de casa nos separe.